terça-feira, 20 de julho de 2010

Sonhos de infância*

Sob olhares atentos de pais, familiares e amigos, engatinhamos os primeiros centímetros, caminhamos nossos primeiros passos, choramos para dormir ou pedir comida e pronunciamos nossas primeiras palavras. Muitos se divertem com isso, e, para nós, quando crianças, nada é digno de preocupação, apesar de aparecerem os primeiros conflitos, pois nunca queremos comer ou dormir na hora que nossos pais desejam.


Bolas, bonecos e bonecas, velocípede, vídeo-game, bicicleta, quebra-cabeça e diversos outros brinquedos começam a surgir à nossa frente, garantindo entretenimento seja sozinho seja com os(as) novos(as) amiguinhos(as) que crescem conosco. Nossos pais são referências, heróis e heroínas que acompanham as etapas da vida. Aconselham, brigam, chamam atenção e nos amam... Num determinado momento, somos encaminhados pra instituições sociais mais amplas, como a escola. Começam a surgir deveres, provas, ditados, redações... Junto a tudo isso, inevitável defrontar-se com a pergunta que já visa indicar precocemente nossa profissionalização: “O que você vai ser quando crescer?”


É tempo de perguntas, questionamentos, novidades, experiências, machucados, choros, mas também de SONHOS! Certamente o quadro infantil explicitado acima pôde ser vivenciado por mim e por outros que nasceram em famílias que tiveram condições objetivas de fornecer alimentação, lar, estudo e carinho! Mas o que será que acontece com a maioria das crianças e jovens mundo afora? Muitas famílias sobrevivem diariamente sob parcas condições: sem casas para residir tampouco cobertores para proteger do frio ou um leite quentinho com um pão com manteiga para iniciar seus dias! Novamente fui estimulado a escrever essas linhas, diante de mais atrocidades que impedem a materialização de sonhos, sonhos que crianças investem, com sorrisos, gestos e palavras inocentes, mas com a certeza de que teremos um amanhã diferente!


Às vésperas de mais um cenário eleitoral, onde mais do mesmo se apresenta, prometendo e iludindo uma imensidão de seres humanos que mais uma vez acreditam que os votos têm pesos iguais. Depois disso, até a eleição seguinte, multiplicam-se os descasos com a população, os casos de corrupção e os lucros de uma pequena parcela que privadamente se apropria dos sonhos de milhões de crianças e do fruto do trabalho de seus pais, perpetuando a desigualdade que concentra as riquezas e divide as mazelas!


Às vésperas da realização de mais megaeventos esportivos, em que bilhões serão investidos em propagandas e grandes construções de um lado. Do outro, comunidades populares serão removidas de seus batalhados e perversos locais de moradia, a população pobre e trabalhadora será a maior vítima do Choque de Ordem e aceitaremos passivamente a demagogia dos muros de segurança e isolamento acústicos nas vias expressas do Rio de Janeiro(1).


Rio de Janeiro da tríade Lula, Sérgio Cabral e Eduardo Paes, fantoches aliados e necessários à ordem dominante! Rio de Janeiro contra a covardia em defesa dos royalties, majoritariamente privatizados e longe de favorecer o conjunto da população do país, que precisará acompanhar, mesmo pedindo para Galvão calar-se, a imposição do sonho de um hexa cuja Taça jamais tocará! Rio de Janeiro das belas praias e paisagens mostradas nas novelas globais, todavia dos caveirões e incursões policiais nas favelas. Rio de Janeiro das contradições de qualquer cidade grande, que enfrenta a exacerbação da violência, do desemprego e da miséria.


E é justamente essa concreta realidade que extingue sonhos, exatamente nas suas raízes. Crianças e jovens que nascem nesse mundo cruel, mas que necessitam conhecer alternativas para um futuro qualitativamente diferente. Wesley Guilber Rodrigues de Andrade, de 11 anos(2); Luan Victor da Silva Nascimento, de 13(3); Julia Estácio dos Santos, de 12(3), possuem nomes e idades diferentes, não moravam nas mesmas localidades e talvez não pensassem em ter as mesmas profissões. Entretanto, não poderemos ir além das suposições. Em comum, essas crianças brincavam, estudavam e certamente sonhavam, mas tiveram esses verbos interrompidos diante da barbárie cada vez mais presente em nosso cotidiano: serão transformadas em estatísticas já que não estão mais diante de nós! Por pouco não foram incluídos mais nomes na lista acima, já que a bala apenas acertou objetos da creche em Acari(4) e o braço direito de Ana Paula Gomes, de 7 anos(5). Entretanto, tantas outras crianças e jovens permanecerão vítimas da mesma crueldade.


Descobrir o verdadeiro sentido das coisas é querer saber demais, pois nossos conhecimentos devem se limitar à manutenção da engrenagem capitalista, que parece um inimigo invencível e enaltece a lógica de que é fácil ceder em vez de lutar, aprisionando nossos corpos sob a regra de que tudo se vende, se compra e se consome. Apesar das tentativas, nossos sonhos ainda não funcionam como mercadorias. Já que sonhar ainda não custa nada (será?), viajemos nos braços do infinito, onde tudo é mais bonito, nesse mundo de ilusão! Sonhemos com os pés fincados no chão e transformemos o sonho em realidade, pois nossos sonhos não podem continuar impossíveis(6).


*Gabriel Rodrigues Daumas Marques

Professor de Educação Física e Mestrando em Educação (UFRJ)


(1) Linha Vermelha terá muros de segurança e isolamento acústico. Ver http://odia.terra.com.br/rio/htm/linha_vermelha_tera_muros_de_seguranca_e_isolamento_acustico_231338.asp


(2) Secretaria de Saúde diz que aluno do CIEP já chegou morto ao hospital. Ver http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2010/07/secretaria-de-saude-diz-que-aluno-do-ciep-ja-chegou-morto-ao-hospital.html


(3) Duas crianças morrem por bala perdida no Rio, diz PM. Ver http://www.expressomt.com.br/noticia.asp?cod=66361&codDep=2


(4) Imagens que causariam espanto e revolta em qualquer país do mundo. Ver http://www.redecontraviolencia.org/Noticias/659.html


(5) Menina estava brincando com prima quando foi atingida por bala perdida. Ver http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2010/05/menina-estava-brincando-com-prima-quando-foi-atingida-por-bala-perdida.html



(6) Vale a pena conferir e refletir a partir das músicas “Sonho de uma flauta”, de O Teatro Mágico http://letras.terra.com.br/o-teatro-magico/960864/; “Sonho Impossível”, de Chico Buarque http://www.letras.com.br/chico-buarque/sonho-impossivel; e “Sonhar não custa nada! Ou quase nada”, samba-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel, de 1992 http://letras.terra.com.br/mocidade-rj/47467/

Somos todos do CIEP Rubens Gomes


“Um sistema de desvínculos: para que os calados não se façam perguntões, para que os opinados não se transformem em opinadores. Para que não se juntem os solitários, nem a alma junte seus pedaços...

O sistema esvazia nossa memória, ou enche de lixo, e assim nos ensina a repetir a história em vez de fazê-la. As tragédias se repetem como farsas, anunciava a célebre profecia. Mas entre nós,é pior: as tragédias se repetem como tragédias”. (Eduardo Galeano)


Na última sexta-feira, nosso aluno Wesley faleceu dentro da sala de aula, vítima do descaso dos governos e de uma bala “achada” durante “ação” policial. Cada um de nós que já saiu com os alunos rastejando pelo chão da escola, em busca de um local menos vulnerável ao tiroteio, ou que ficou cantando para acalmar os alunos e minimizar seu próprio pavor, sabe o que aconteceu.


Talvez quem não saiba é quem deveria nos proteger: a polícia, os governantes.


Mas para eles tanto faz. Não importa se Wesley tinha uma vida inteira pela frente, como ficarão os pais, como ficarão os alunos e os trabalhadores da escola. O importante são as metas, o desempenho. Crianças são só estatísticas, diretores de escola tem que ser gestores de empresa, profissionais de educação são fabricadores de índices.


Se os funcionários adoecem por conta das péssimas condições de trabalho, a solução é contratar a Comlurb. Afinal se adoecerem é problema do INSS. Se os alunos não aprendem a culpa é do professor que não planeja. Afinal temos uma média de 6 minutos por dia para isso. Alunos das Escolas do Amanhã tem aula com voluntários e oficineiros. Afinal quem mora em comunidade não merece um ensino de qualidade. Que triste concepção de educação.


Para nós a luta por uma educação pública de qualidade e a construção de uma sociedade mais justa é o mais importante.


Não precisamos de cursos para nos ensinar como agir em situações de risco.


Não precisamos do desvio de verbas para OS’s, Institutos e Fundações. Precisamos de respeito. Exigimos ser ouvidos. Estamos cansados. Não admitiremos mais que nossos alunos morram por causa da negligência dos governantes.


As operações policiais ocorrem de forma diferenciada de acordo com a região da cidade. Na zona sul é de um jeito, nos locais mais desassistidos de outro. A violência imposta nestas "ações onde atira-se primeiro e pergunta-se depois, revela o descaso que os governo tem com a vida dos milhares de trabalhadores que moram em comunidades. É a política de um governo que já afirmou que mulheres pobres “são fábricas de marginais”.


O que os governos devem fazer é garantir empregos, salários dignos, saúde e educação pública para toda à população.


Há anos o Sepe denuncia e cobra dos governos medidas para a solução dos problemas da violência nas escolas e creches. Uma infinidade de documentos foi entregue à Prefeitura, ao Ministério Público e ao parlamento. Inúmeras vezes alertamos sobre os riscos que poderíamos sofrer. Infelizmente nenhuma medida foi tomada.


Diante de tamanha calamidade o Sepe e toda a sociedade cobram dos governos a responsabilidade por este falecimento.


Não basta agora lamentarem o ocorrido, pois estes fatos são de sua responsabilidade. Não adianta blindar escolas. E se o aluno estiver na quadra? E se estivesse saindo do refeitório? E se estiver no caminho para casa?


Se os governos realmente se importam com a educação, que marquem uma audiência pública com o Sindicato e a categoria, para garantir nossa pauta de reivindicação e ouvir nossas propostas.


Exigimos emergencialmente:

- Contra a criminalização da pobreza;

- Fim das operações fascistas nas comunidades;

- Redução do quantitativo de alunos por turma e construção de novas unidades;

- Autonomia para o não funcionamento das escolas em casos graves, sem pressão da CRE ou SME;

Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação