O texto que a seguir publicamos nos foi enviado por uma professora da rede estadual do Rio de Janeiro. Por conta do assédio moral a que os profissionais de educação estão sujeitos frequentemente, a professora preferiu não assinar o texto, escolha que respeitamos, tendo em vista o desrespeito à liberdade de expressão dos dirigentes das redes públicas e a relativa fragilidade atual do sindicato para responder a esses ataques. Esperamos que o depoimento contribua para nos levar à luta (de forma ainda mais intensa) para construirmos uma nova realidade para os profissionais de educação e a educação pública.
Hoje ocorreu a minha segunda ida à Assembleia da rede estadual do SEPE. Quem dera que todo professor que entrasse na rede pública começasse assim, indo as assembléias logo nos seus primeiros meses. Mas isso não é mérito meu, devo isso a dois grandes amigos que me influenciaram e ainda influenciam na ideia de participar mais ativamente das questões que nos interessam de fato, a educação.
Sei que muito de nós temos nossos compromissos, mas acredito que seja fundamental que o professor que se sente indignado com o seu salário, com suas péssimas condições de trabalho, vá ao sindicato, sim, e lute por melhorias. É necessária a mobilização para que a sociedade seja transformada, para que o professor seja valorizado. É preciso que a gente se faça ouvir e não apenas ficar reclamando nas salas dos professores ou com amigos em qualquer lugar; é preciso lutar.
Então, hoje em minha segunda assembléia estadual da vida me deparei com diversos acontecimentos. Primeiro eu fiquei bastante irritada: por que marcam um horário que nunca é cumprido? Por que esse desrespeito com o professor, desrespeito com qualquer indivíduo? E não estou falando de minutos, estou falando de horas! Hoje a Assembleia começou com quase duas horas de atraso! Isso é um tremendo desrespeito ao funcionário da educação que vai à assembléia, que chega na hora e tem que esperar esta começar.
O meu primeiro contato direto com o SEPE foi na assembléia anterior, a do mês de Agosto. Havia uma mesa composta pela direção e esta queria a todo custo passar suas propostas, suas ideias e deixando de lado coisas que de certa forma causavam um incômodo. Era uma oposição aos seus pensamentos. A questão era em relação ao voto nulo. Um debate com os candidatos ao governo do Rio estava sendo articulado e surgiu a ideia de levar um representante do voto nulo. A questão no início foi negada, depois começou a haver um certo apoio em nome da democracia e no apagar das luzes, literalmente, ela foi aceita.
Ok, para a primeira assembléia até que foi tranquila. Apenas não curtem uma oposição. Esse foi o meu pensamento, mas hoje me deparei com coisas assustadoras. Ouvi de uma senhora hoje que os novatos vão às assembléias estaduais para tumultuar. Que não nos mobilizamos antes. Isso pra mim foi assustador, medo. Sim, medo daquela mulher loira falando. Sinceramente, ela tem idade pra ser minha professora e fico muito feliz de nunca ter tido uma professora como ela.
Eu criaria trauma e nunca conseguiria ocupar o papel que ocupo hoje. Voltando à assembléia... Essa mulher, junto com a direção do SEPE é contraria a ideia de paralisação em Novembro. A ideia de pessoas novas defendendo outras idéias, discordando da mesa, pareceu ser assustadora para tal mulher loira. Muitas pessoas realmente possuem medo do novo, medo de ficarem para trás, de não acompanhar os passos dos mais novos. Mas se todos nós somos de um mesmo sindicato, deveríamos estar somando forças e não segregar falando que no meu tempo não era assim.
Existe um contingente de novos professores entrando praticamente todo mês no estado. Muitos abandonam por causa dos baixos salários, mas alguns ficam e vão ao SEPE para fortalecer a luta do profissional de educação. Essas pessoas que continuam no estado, com salários baixíssimos deveriam ser valorizadas, o SEPE deveria ir atrás delas! Porque muitos têm medo de se mobilizar, enfrentar a direção e serem enviados para sua Metro de origem por estarem no estado probatório.
Minha escola deve ter no mínimo uns 60 professores e eu fui a única que parei. Não sei o que se passa na cabeça deles, sei que muitos são provincianos e, sem querer ser preconceituosa, o salário e a forma de trabalhar deve estar boa, adequada para eles. Sei que outros possuem o medo de serem mal vistos pela direção ou até mesmo por outros professores. Há, infelizmente, o senso comum de que ninguém para, então nunca ninguém há de parar. Sinceramente, triste, isso pra mim é muito triste. Terem a consciência que não ganham bem e não terem a consciência para se mobilizar e ir em busca de melhorias. Na minha escola, a biblioteca tem um horário bizarro de funcionamento. Na minha escola, os alunos não possuem acesso à sala de informática, mas à frente da escola há uma lan house.
Sabe, são coisas que me fazem querer questionar e eu tenho medo, sim. Medo da diretora parar de sorrir pra mim, medo de ser excluída das conversas. Eu sou minoria ali, mas fico pensando, nunca ninguém se questionou disso tudo? Como?
A minha formação vem de instituições laicas. Sempre estudei em lugares em que o normal é criticar algo quando se considera errado, a procura do melhor sempre, da discussão aberta. Eu aprendi a reivindicar, a defender o que eu acredito. E ao olhar as relações da minha escola, o assédio moral, o sábado letivo, a exclusão digital aos alunos fico triste demais, inconformada e simplesmente não sei o que fazer porque ainda não me sinto bem para questionar, me dá medo.
Por isso acredito que o SEPE seja um espaço para realizar tais denúncias como esta. Acredito que o sindicato seja para que possamos nos mobilizar a articular da melhor maneira a defesa do profissional e da educação também. Só é professor hoje quem quer, e tem que querer muito para continuar. Eu sinceramente já pensei em largar em menos de dois meses de sala de aula, mas não vou desistir.
Quero ensinar muito aos meus alunos, não apenas história, mas quero que eles entendam o mundo, que tenham um adulto próximo como exemplo, quero rir com eles, são adolescentes, cheios de vida, de histórias e destas muitas tristes e que precisamos continuar na luta por eles, para que eles continuem a estudar e saiam da situação de tanta pobreza.
E é por isso que acredito que todo professor que entra na rede pública deve ter como missão lutar por sua categoria, por sua classe como inteira, por melhorias no trabalho, por um salário digno, por vale transporte. Mas que a gente lute também pela educação, contra a precarização das escolas, pelo desenvolvimento dos nossos alunos.