A primeira medida listada pelo jornal na primeira página é o processo seletivo elaborado pelo próprio governo estadual para a escolha de diretores de escolas. Esta medida avança na contramão daquilo que é apontado por todas as correntes pedagógicas como a forma que mais contribui para o ensino-aprendizagem de excelência: a escolha democrática dos gestores realizada pelos professores, funcionários e comunidade escolar.
A segunda medida relacionada é a contratação de uma empresa "para rever as licenças médicas dos oito mil professores afastados"(1). Então, contrata-se uma empresa privada com dinheiro público para realizar algo que a perícia estadual deveria realizar. Isto, sim, representa gasto público, e não investimento. Além disso, o jornal não problematiza a questão como deveria, já que os jornalistas deste meio sabem perfeitamente o imenso número de notícias que revelam as condições de trabalho dos professores da rede pública estadual. Professores e funcionários trabalham, boa parte das vezes, em situações de alto nível de violência, com medo(2), convivem com situações de assédio moral, além da desvalorização profissional e salarial, problemas que acabam gerando um enorme número de doenças nos profissionais de educação, especialmente doenças psiquiátricas. Isto faz com que os professores sejam a segunda categoria dos funcionários públicos estaduais que mais precisam de licença do trabalho, somente abaixo dos policiais.
Em terceiro lugar, informam que o "projeto de redução de gastos vai resultar numa economia de R$ 111 milhões só este ano"(3). E aonde vai parar tanto dinheiro? Vai parar, por exemplo, no bolso do governador e dos deputados estaduais, que receberam um generoso aumento salarial há poucos dias. Assim tratam a educação pública: um gasto, um peso que precisa ser aliviado. É assim que se faz educação de qualidade? Não é preciso nem ser advinho para saber que a educação pública estadual só ficará entre as cinco melhores do país com melhorias de fato e não com mera propaganda do governo - a não ser que haja brutal distorção dos dados do IDEB, coisa que não pode ser descartada, já que o PT, comandante do Ministério da Educação que gerencia o IDEB, é o principal aliado do governo estadual de Cabral/PMDB.
Para o governo estadual e a mídia dos grandes jornais, revistas e TVs é isso mesmo: professor tem que ganhar pouco, educação pública representa gastos e negócios. Tem que dar dinheiro, não formar seres humanos críticos(6). Assim não se faz educação de qualidade, assim não se tira a educação pública do buraco em que está. Precisamos de professores e funcionários bem remunerados, com vencimentos básicos decentes, com tempo para aprofundar sua formação permanentemente, boas condições de trabalho nas escolas, autonomia das escolas e dos profissionais de educação, gestão democrática das escolas e investimento público, mas um grande investimento público, porque educação pública de qualidade não é barata. Algo é certo: qualquer centavo investido na educação provocará melhorias sociais incomparáveis aos milhões/bilhões investidos nos bolsos do governador e dos deputados estaduais - o que, infelizmente, aplica-se à imensa maioria de vereadores, deputados, senadores e chefes do executivo.
Adolpho Ferreira
Professor de História da rede municipal do Rio de Janeiro
Notas:
(1) O Globo, 8 de janeiro de 2011, p.1, "Estado anuncia choque de ordem na educação".
(2) JC Online, 7 de janeiro de 2011, "Professor é agredido por aluno descontente com nota", acessado em 8/01/2011 http://jc.uol.com.br/canal/
(3) O Globo, idem.
(4) Idem, idem.
e Terra Notícias, 25 de maio de 2009, "Fornecedora de merenda escolar recebeu 108 advertências no Rio", acessado em 8/01/2011 http://noticias.terra.com.br/
(6) O Globo Online, 6 de outubro de 2010, "'Penso em educação como um negócio', diz novo secretário estadual de Educação ao assumir o cargo", acessado em 8/01/2011 http://oglobo.globo.com/rio/